Dois filmes muito fotográficos
Dois filmes que assisti neste fim-de-semana reforçam o caráter fotográfico do cinema. L´année dernière à Marienbad, de Alan Resnais, e Still Life, de Jia Zahng-Ke.
O primeiro pelo caráter estático dos personagens e da cenografia. A câmera viaja, mas os acontecimentos parecem truncados por um jogo de memória que anda em círculos e nunca parece se resolver, corredores que se estendem sem fim e não levam a lugar algum. Aqui a relação com a fotografia se dá pela memória, pela viagem no tempo, pela estaticidade dos personagens (o filme talvez dialogue até mais com a arte estatuária do que com a fotografia) e pela perspectiva acentuada das tomadas. Imaginava que Marienbad fosse um hotel gigantesco, mas descobri que mesmo o lugar onde se passa a história é imaginário, resultado de filmagens em diferentes espaços. Há inclusive trechos onde o roteiro brinca abertamente com a questão da fotografia, em um momento em que a personagem descobre que diversas fotos feitas no passado eram, assustadoramente, a mesma foto!
Já o filme chinês tem no próprio título (que é usado para divulgação internacional) uma referência direta à fotografia e à pintura, já que Still Life é o nome dado em inglês para o gênero de "natureza-morta" e a própria palavra Still é o que diferencia o cinema da fotografia, pois se o cinema é marcado pelo signo da mudança ininterrupta, a fotografia é marcada por ser sempre e ainda (still) o mesmo. Com relação à estética do filme, é impressionante a capacidade do diretor de mostrar com placidez e fria lentidão um acontecimento de extrema vitalidade transformadora (a construção da hidrelétrica de Três Gargantas). É como se a revolução pela qual passa a China atualmente, e que está transformando a vida de milhões de pessoas, fosse colocada sob o pano de fundo de questão milenares e até certo ponto atemporais. Em muitos instantes o cenário da cidade em ruínas, que logo seria inundada com a construção da usina, é um espaço para revelações surreais. Uma curiosidade é que o filme tem um documentário "irmão", que foi rodado no mesmo lugar, na mesma época, sobre o trabalho do pintor Liu Xiaodong, um dos artistas mais reconhecidos na cena da arte contemporânea chinesa, que também transformou a gigantesco acontecimento da construção das Três Gargantas em alimento para sua arte.
São dois filmes que trazem questões extremamente profundas. Uma coincidência é que tanto o filme de Resnais como o de Zahng-Ke levaram o Leão de Ouro no festival de Veneza, um em 1961 e o outro em 2005. Se um se insere no contexto da Nouvelle Vague, nasce em uma cena cultural bastante intelectualizada e se passa em um espaço de enorme sofisticação, o outro é fruto do cinema contemporâneo chinês, se passa em um cenário de ruínas e pobreza e mostra como a transformação de um país depende da transformação, muitas vezes maléfica, da vida de seus habitantes. Belo contraste. E viva a experimentação e a diversidade!
O primeiro pelo caráter estático dos personagens e da cenografia. A câmera viaja, mas os acontecimentos parecem truncados por um jogo de memória que anda em círculos e nunca parece se resolver, corredores que se estendem sem fim e não levam a lugar algum. Aqui a relação com a fotografia se dá pela memória, pela viagem no tempo, pela estaticidade dos personagens (o filme talvez dialogue até mais com a arte estatuária do que com a fotografia) e pela perspectiva acentuada das tomadas. Imaginava que Marienbad fosse um hotel gigantesco, mas descobri que mesmo o lugar onde se passa a história é imaginário, resultado de filmagens em diferentes espaços. Há inclusive trechos onde o roteiro brinca abertamente com a questão da fotografia, em um momento em que a personagem descobre que diversas fotos feitas no passado eram, assustadoramente, a mesma foto!
Já o filme chinês tem no próprio título (que é usado para divulgação internacional) uma referência direta à fotografia e à pintura, já que Still Life é o nome dado em inglês para o gênero de "natureza-morta" e a própria palavra Still é o que diferencia o cinema da fotografia, pois se o cinema é marcado pelo signo da mudança ininterrupta, a fotografia é marcada por ser sempre e ainda (still) o mesmo. Com relação à estética do filme, é impressionante a capacidade do diretor de mostrar com placidez e fria lentidão um acontecimento de extrema vitalidade transformadora (a construção da hidrelétrica de Três Gargantas). É como se a revolução pela qual passa a China atualmente, e que está transformando a vida de milhões de pessoas, fosse colocada sob o pano de fundo de questão milenares e até certo ponto atemporais. Em muitos instantes o cenário da cidade em ruínas, que logo seria inundada com a construção da usina, é um espaço para revelações surreais. Uma curiosidade é que o filme tem um documentário "irmão", que foi rodado no mesmo lugar, na mesma época, sobre o trabalho do pintor Liu Xiaodong, um dos artistas mais reconhecidos na cena da arte contemporânea chinesa, que também transformou a gigantesco acontecimento da construção das Três Gargantas em alimento para sua arte.
São dois filmes que trazem questões extremamente profundas. Uma coincidência é que tanto o filme de Resnais como o de Zahng-Ke levaram o Leão de Ouro no festival de Veneza, um em 1961 e o outro em 2005. Se um se insere no contexto da Nouvelle Vague, nasce em uma cena cultural bastante intelectualizada e se passa em um espaço de enorme sofisticação, o outro é fruto do cinema contemporâneo chinês, se passa em um cenário de ruínas e pobreza e mostra como a transformação de um país depende da transformação, muitas vezes maléfica, da vida de seus habitantes. Belo contraste. E viva a experimentação e a diversidade!
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