3.1.07

A Baudelaire


Oh jovem poeta de alma intempestuosa, permita-me dirigir a você as palavras de outro jovem poeta, também de alma libertária, porém mais tímida. Conheci teus versos por linhas tortas, tão incendiárias quanto as tuas embora mais melancólicas, de Walter Benjamin. Entendi o spleen, o arauto da modernidade e das flores doentias, o estilhaço, as vitrines, a moda, as passagens. Tua ignorância frente à fotografia, quanto tinha de sincera e sábia, quanta originalidade e vitalidade de uma crítica pulsante, grosseira, encrenqueira, desbragada. O que admiro em você é que, certo ou não, você sempre foi um convicto. Evocou a verdade e o mistério, apelou para a razão e para o haxixe. Você não apenas criou o conceito caótico de modernidade, como foi o primeiro homem verdadeiramente moderno. Paradoxal, abismal, profundo e extremamente rasteiro, cindido entre artista e erva daninha, um libertino mordaz em rima e métrica. Poliedro.
Com tristeza vejo o tempo enterrar teu ideal. Procuro um gênio como o teu nos dias atuais e encontro apenas poetas, críticos, panfletários, jornalistas, políticos, separados. Você era tudo em um só, era a modernidade em um só, se esforçou para viver até a última gota a experiência extrema de expressar-se no limite, sobre o fio da lâmina, que corta e expõe a carne.
Como um homem, um retrato, pode evocar tamanha enormidade? Vejo hoje nos teus olhos, naquela fotografia, seu rosto impassível, seu caráter irretocável, uma convicção em ser esguio. Logo a fotografia, que você repelia, deixou-nos teu retrato mais fiel, como um raio hipnótico lançado do fundo das trevas. Poeta divino, poeta diabólico, obscuro e cintilante, que nas noites de solidão vem visitar meu quarto, que suspira versos na minha imaginação. Vivo como você, no fremido da grande cidade, sob o olhar dos passantes apressados. Sou como Drummond, teu avesso, um gauche que se endireitou, um solitário eternamente apaixonado. Não saio na noite, não me arrisco na devassidão, não aspiro a sífilis, mas devoro o teu sangue sempre que volto a te visitar e tua bílis irriga minhas veias de uma paixão fulminante sempre que evoco tua alma em teu caixão. Divino ou diabólico, você conquistou o milagre da imortalidade. Vem visitar os homens tresloucados, os ébrios, os soturnos, os depravados! Vem incitar o ódio contra a passividade sem crítica! Vem despertar os homens da escuridão, instilar novos amores, fazer arder novas utopias! Benjamin intuiu mais em você que em Marx a porta aberta aos dilemas da modernidade. Cabe agora a nós voltar a você, como um oráculo que fornecerá a senha para superarmos a época que você nos legou. Nas palavras agressivas e panfletárias, nas críticas ácidas ou nos versos repletos de lirismo romântico ou frieza mórbida, sempre sentimos a sina de um homem sincero, que não temeu as palavras e nunca se furtou a dizer o que sentia. Uma verve intensa liga agora tua palavra a minha. Falta peito para assumir teu legado, mas tento, com essas humildes palavras que te louvam e te evocam!