O cinema não morreu... Godard também não

Ele é tão odiado pelo público que chega a ser questionável até que ponto tem mesmo um público. Talvez se pudesse falar mais de fãs. Porque o cinema de Jean-Luc Godard não tem meio-termo, não é feito para agradar. Só gosta quem entende, e quem entende se torna fã, pois a profusão de pensamentos que ele provoca é digna de um grande filósofo ou de um grande poeta. Faz tempo que Godard está distante das rodinhas e celebridades do mundo do cinema, pois seu caminho foi radicalmente contrário ao da depravação mercadológica que parece ser o pecado capital de todo diretor de cinema. Ele resistiu e ainda não mordeu a maçã. Em Le Mepris, filme de 63, mostra na figura de Fritz Lang no que o “cinema de autor” tinha se transformado, obrigado pelas exigências do mercado, como arte marcada pelo caráter de mercadoria. Godard escolheu o caminho errado, para o mercado, para o êxito comercial de sua figura underground. Mas trilhou o caminho certo, para se tornar o grande crítico do cinema e sua máquina doida de ilusões, que vai pouco além de um entretenimento barato. O formato do cinema narrativo já está praticamente esgotado, não há mais volta. Mas a indústria do cinema insiste nisso, por que é o que o público consome. No capitalismo, em nome da ditadura do público, quanta barbárie já não se cometeu? E Godard vai caindo no esquecimento, entrando para os anais da história do cinema como um gênio do passado, aquele da Nouvelle Vague. “O Godard já morreu, não é mesmo?”, pergunta o jornalista imbecil na mesa de bar. Muitos já citaram Godard na mesa de bar. Seu fama é de cinema cabeça e quem tem cultura precisa conhecer. Quanta hipocrisia! A verdade é que seu cinema não é cabeça, é também sentido, é principalmente sentido, sensação, evocação. O que a palavra de um filósofo diz, ele nos mostra, sua lógica não é narrativa, é ensaística, ele não quer contar histórias, seu objeto é a História. Godard é um desafio para a lógica industrial do cinema, é o enfant terrible dos alternativos, aquele que não se enquadrou, porque não quis abrir mão de seu ideal em nome de um cheque polpudo e entrevistas mensais à imprensa. Ele sabe e já declarou isso inúmeras vezes: o cinema, o clássico cinema narrativo, morreu. Mas o cinema alternativo, o cinema que pensa o cinema, ainda tem muito fôlego pela frente e precisa se livrar daquele cadáver gigantesco. Por isso, ele segue criando, segue sonhando, tirando do ostracismo a força para sua reflexão. Imagino-o sentado em sua ilha de edição, sonhando com um destino diverso para o cinema no ocidente...
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