2.2.05

2 fotógrafos paraenses

"Fotografia Contemporânea Paraense”, o livro me desafiava como um enigma na estante da biblioteca. Eis que um dia resolvo levá-lo. Não sem um certo preconceito e sem a dúvida palpitante ‘será que compensa levar tanto peso?’.

Naquela mesma noite, a desconfiança se provou idiota. Fiquei simplesmente embasbacado e não estou exagerando. A verve dos fotógrafos paraenses é impressionante. E não são poucos os que lá produzem com qualidade em diversas vertentes que vão do documental ao artístico. Paulo Amorim, Octávio Cardoso, Paulo Jares, Walda Marques, Flavya Mutran, Alberto Bitar, Patrick Pardini, Janduari Simões, Luiz Braga, Elza Lima, Paula Sampaio. Cito apenas os que me vêm à cabeça, sem ordem de mérito ou qualidade.

Minha descoberta não se limitou aos fotógrafos. De fato, Paula Sampaio, Elza Lima e Luiz Braga se tornaram referências essenciais para mim, cujas imagens irão me acompanhar pelo resto da vida, como marcos erguidos em um mundo inexplorado. Mas, sem desprezar a qualidade dos fotógrafos, o que muito me impressionou foi também a realidade que retratavam, um país tão diverso e tão próximo do que me circunda. Eu que nunca subi além de Salvador, me sentia impelido a viajar, descobrir aquele universo em que a câmera ainda não desperta a timidez nem a vontade de se exibir. E não posso me furtar a citar Pedro Martinelli, grande desbravador das bandas de cá que descobriu na Amazônia o seu lar.

Pois passados alguns meses, cai em meu colo uma pauta que me faz voltar àquele clima de descoberta que o livro despertou. Dirceu Maués, fotógrafo da nova geração, desenvolve há mais de dois anos um fantástico trabalho sobre Belém com câmeras artesanais, as chamadas pinholes. Aos poucos as peças vão se encaixando. Dirceu entrou em contato com as câmeras artesanais em oficina com Miguel Chikaoka. Miguel é paulista, aportou em Belém em 1980, depois de uma temporada na França, onde descobriu a fotografia e desencanou da engenharia. De passagem por uma experiência exótica, apaixonou-se pelo lugar e resolveu ficar. Revelou-se um grande catalisador do desenvolvimento da fotografia paraense, agitando exposições, projetos, oficinas. Ele foi responsável pela criação da FotoAtiva que, além de Dirceu, ajudou a formar vários outros fotógrafos.

Converso com Miguel e descubro a grandeza de suas concepções. Ele se utiliza das pinholes em suas oficinas para introduzir os alunos no universo da fotografia. E quão inteligentes não devem ser suas aulas? Pois a concepção que está por trás delas é que não adianta dar uma câmera digital na mão da pessoa e ensinar as técnicas para fazer um bom retrato, um book ou still. A fotografia ficou aprisionada nos macetes. Todos querem aprender como se faz, mas não se preocupam com o que está por trás, com o que, de fato, faz da fotografia uma linguagem particular.

A luz entrando na câmera escura, projetando a imagem sobre o material fotossensível. Algo tão simples, uma relação mecânica que está esquecida. A fotografia para poucos deixa de ser uma mágica, um clique que aprisiona um momento, que recorta um instante no fluxo ininterrupto dos acontecimentos. Para quem começa já com a digital então, é só clicar e olhar, não é preciso saber como e porque as coisas ocorrem lá dentro daquele objeto mágico, intransponível e indecifrável. Miguel sabe bem disso e suas oficinas com pinholes lhe permitem driblar o dado, tornar clara a obscuridade da câmera. Quem se propõe a construir seu próprio equipamento entra dentro dele, descobre, como os primeiros artesãos da fotografia, que é possível controlar inúmeras variáveis e conseguir muito com pouco.

E Miguel não se mostrou nada saudosista, ele sabe que o digital traz avanços indiscutíveis e sabe que quem domina o que está por trás da imagem instantânea pode ser algo além de um mero funcionário. Exemplar é sua última realização. Um painel que mescla a obra individual ao coletivo, a intencionalidade ao acaso, o digital ao artesanal. Todos os pixels se entrelaçam em uma união plena de forma e sentido para formar o Urublues, nome exótico, porém carregado de significados. É um painel de 5 x 2,5 metros, formado por 8 mil pixels de 4 x 4 centímetros cada. Chegando perto, descobre-se uma imagem em cada pixel e aí entra a coletividade, pois são fotos feitas em pinholes por fotógrafos, artistas e moradores de Belém, convocados por Miguel para a maratona de sua obra.

Encontrei em Dirceu Maués todo o peso desse aprendizado. Desde que fez a oficina com Miguel, ele se amarrou nas pinholes. Dá oficinas de câmeras artesanais desde 1992 e não parou mais de se aperfeiçoar na técnica e na estética. Depois de realizar um belo trabalho documental sobre os confins do Pará, com câmera tradicional mesmo, porém com filme p&b, ele partiu para registrar sua cidade natal com câmeras pinhole. Já desenvolveu vários ‘modelos’ e não quer mais parar. Ele conseguiu driblar as adversidades do pequeno furo da pinhole e desenvolver um trabalho documental de peso, no qual as pessoas interagem com o espaço, em uma contraposição de movimento e estática.

Êxtase e curiosidade, dois sentimentos que se mesclam quando o assunto é fotografia paraense. Abaixo, alguns sites que podem interessar:

Projeto "Ver-o-Peso pelo furo da agulha"
Texto sobre o mesmo projeto
Página do Dirceu Maués
Página do livro "Fotografia contemporânea paraense"
Blog da FotoAtiva

Aquele vazio

Assalto

No quarto de hotel

a mala se abre: o tempo

dá-se em fragmentos.


Aqui habitei

mas traças conspiram

uma idade de homem

cheia de vertentes.


Roupas mudam tanto.

Éramos cinco ou seis que

que hoje não me encontro,

clima revogado.


Uma doença grave

esse amor sem braços

e toda a carga leve

que súbito me arde.


No quarto de hotel

funcionam botões

chamando mocidade

canto, fogo, livro.


Vem a quarteira

depositar a branca

toalha do olvido

insinuar o branco


sabão da calma.

A perna que pensa

outrora voava

sobre telhados.


Em copo de uísque

lesmas baratas

acres lembranças

enjôo de vida.


Ponho no chapéu

restos desse homem

encontrado morto

e do nono andar


jogo tudo fora.

A mala se fecha: o tempo

se retrai, ó concha.

C.D.A.

1.2.05

Washington Post para quem gosta de fotojornalismo

O jornal The Washington Post traz em seu site farta documentação de fotojornalismo à disposição de quaquer curioso. Um espaço interessante, onde encontram-se a cobertura diária e grandes reportagens dos fotógrafos da casa. Quem tiver um tempo para garimpar, vai encontrar muita coisa boa. Abaixo, duas fotos de Michael Robinson-Chavez, em reportagem sobre os esváquios que moram em Roma, seguidas de duas fotos de Juana Arias, em reportagem sobre os estragos feitos por um terremoto em El Salvador.