23.1.07

O cinema não morreu... Godard também não


Ele é tão odiado pelo público que chega a ser questionável até que ponto tem mesmo um público. Talvez se pudesse falar mais de fãs. Porque o cinema de Jean-Luc Godard não tem meio-termo, não é feito para agradar. Só gosta quem entende, e quem entende se torna fã, pois a profusão de pensamentos que ele provoca é digna de um grande filósofo ou de um grande poeta. Faz tempo que Godard está distante das rodinhas e celebridades do mundo do cinema, pois seu caminho foi radicalmente contrário ao da depravação mercadológica que parece ser o pecado capital de todo diretor de cinema. Ele resistiu e ainda não mordeu a maçã. Em Le Mepris, filme de 63, mostra na figura de Fritz Lang no que o “cinema de autor” tinha se transformado, obrigado pelas exigências do mercado, como arte marcada pelo caráter de mercadoria. Godard escolheu o caminho errado, para o mercado, para o êxito comercial de sua figura underground. Mas trilhou o caminho certo, para se tornar o grande crítico do cinema e sua máquina doida de ilusões, que vai pouco além de um entretenimento barato. O formato do cinema narrativo já está praticamente esgotado, não há mais volta. Mas a indústria do cinema insiste nisso, por que é o que o público consome. No capitalismo, em nome da ditadura do público, quanta barbárie já não se cometeu? E Godard vai caindo no esquecimento, entrando para os anais da história do cinema como um gênio do passado, aquele da Nouvelle Vague. “O Godard já morreu, não é mesmo?”, pergunta o jornalista imbecil na mesa de bar. Muitos já citaram Godard na mesa de bar. Seu fama é de cinema cabeça e quem tem cultura precisa conhecer. Quanta hipocrisia! A verdade é que seu cinema não é cabeça, é também sentido, é principalmente sentido, sensação, evocação. O que a palavra de um filósofo diz, ele nos mostra, sua lógica não é narrativa, é ensaística, ele não quer contar histórias, seu objeto é a História. Godard é um desafio para a lógica industrial do cinema, é o enfant terrible dos alternativos, aquele que não se enquadrou, porque não quis abrir mão de seu ideal em nome de um cheque polpudo e entrevistas mensais à imprensa. Ele sabe e já declarou isso inúmeras vezes: o cinema, o clássico cinema narrativo, morreu. Mas o cinema alternativo, o cinema que pensa o cinema, ainda tem muito fôlego pela frente e precisa se livrar daquele cadáver gigantesco. Por isso, ele segue criando, segue sonhando, tirando do ostracismo a força para sua reflexão. Imagino-o sentado em sua ilha de edição, sonhando com um destino diverso para o cinema no ocidente...

3.1.07

A Baudelaire


Oh jovem poeta de alma intempestuosa, permita-me dirigir a você as palavras de outro jovem poeta, também de alma libertária, porém mais tímida. Conheci teus versos por linhas tortas, tão incendiárias quanto as tuas embora mais melancólicas, de Walter Benjamin. Entendi o spleen, o arauto da modernidade e das flores doentias, o estilhaço, as vitrines, a moda, as passagens. Tua ignorância frente à fotografia, quanto tinha de sincera e sábia, quanta originalidade e vitalidade de uma crítica pulsante, grosseira, encrenqueira, desbragada. O que admiro em você é que, certo ou não, você sempre foi um convicto. Evocou a verdade e o mistério, apelou para a razão e para o haxixe. Você não apenas criou o conceito caótico de modernidade, como foi o primeiro homem verdadeiramente moderno. Paradoxal, abismal, profundo e extremamente rasteiro, cindido entre artista e erva daninha, um libertino mordaz em rima e métrica. Poliedro.
Com tristeza vejo o tempo enterrar teu ideal. Procuro um gênio como o teu nos dias atuais e encontro apenas poetas, críticos, panfletários, jornalistas, políticos, separados. Você era tudo em um só, era a modernidade em um só, se esforçou para viver até a última gota a experiência extrema de expressar-se no limite, sobre o fio da lâmina, que corta e expõe a carne.
Como um homem, um retrato, pode evocar tamanha enormidade? Vejo hoje nos teus olhos, naquela fotografia, seu rosto impassível, seu caráter irretocável, uma convicção em ser esguio. Logo a fotografia, que você repelia, deixou-nos teu retrato mais fiel, como um raio hipnótico lançado do fundo das trevas. Poeta divino, poeta diabólico, obscuro e cintilante, que nas noites de solidão vem visitar meu quarto, que suspira versos na minha imaginação. Vivo como você, no fremido da grande cidade, sob o olhar dos passantes apressados. Sou como Drummond, teu avesso, um gauche que se endireitou, um solitário eternamente apaixonado. Não saio na noite, não me arrisco na devassidão, não aspiro a sífilis, mas devoro o teu sangue sempre que volto a te visitar e tua bílis irriga minhas veias de uma paixão fulminante sempre que evoco tua alma em teu caixão. Divino ou diabólico, você conquistou o milagre da imortalidade. Vem visitar os homens tresloucados, os ébrios, os soturnos, os depravados! Vem incitar o ódio contra a passividade sem crítica! Vem despertar os homens da escuridão, instilar novos amores, fazer arder novas utopias! Benjamin intuiu mais em você que em Marx a porta aberta aos dilemas da modernidade. Cabe agora a nós voltar a você, como um oráculo que fornecerá a senha para superarmos a época que você nos legou. Nas palavras agressivas e panfletárias, nas críticas ácidas ou nos versos repletos de lirismo romântico ou frieza mórbida, sempre sentimos a sina de um homem sincero, que não temeu as palavras e nunca se furtou a dizer o que sentia. Uma verve intensa liga agora tua palavra a minha. Falta peito para assumir teu legado, mas tento, com essas humildes palavras que te louvam e te evocam!

de volta

Reparem na data da última postagem... fevereiro de 2006... faz tanto tempo!
Volto em 2007 com a intenção de reerguer este espaço de reflexão. Um dia um jornalista me disse que faltava coesão a este blog. Talvez estivesse se referindo a uma linha editorial, camisa de força que faz da profissão uma das mais agitadamente burocráticas que existem. Cada dia é uma nova história... "mas não se esqueça da linha editorial!", esbraveja o tédio balbuciante. É tão confortável quando temos regras a seguir, assim não precisamos exercitar a criatividade. Se tudo já nos foi dado, para que ir além?!?!
Não, este não é um espaço para jornalismo. Este não é um espaço para cercear a imaginação dos malucos e apontar quem deve usar a camisa de força. Definitivamente, este não é um espaço para a coerência, embora as idéias aqui apresentadas aspirem à persuasão.
Este é um espaço de efervescência lírica, de confissão pública; um diário aberto a quem quiser entrar na roda e também se divertir. Nele exponho as reflexões que me animam o espírito, mas, nem por isso, precisam servir para alguma coisa ou alguém. E quem quiser que conte outra!