Tempo dilatado... tempo aprisionado
Hic Hodes, Hic Salta! Aqui estou, quase dois meses depois da última postagem neste diário público (que saboroso paradoxo!). Entre baladas e raladas, não tenho tido muito tempo de me dedicar a este espaço.
Uma das coisas mais marcantes que conheci nestes dias foi o trabalho do fotógrafo alemão Michael Wesely. Por um acaso. Fui atrás do site dele depois que fiquei sabendo de um projeto muito legal que ele e a brasileira Lina Kim tocaram dois anos para recuperar fotos de Brasília espalhadas por arquivos brasileiros e do exterior. Nada menos que 100 mil negativos foram vasculhados. Ali, a luz escreveu parte importante da história brasileira. E nós, pelo nosso secular descaso com a memória, deixando que o mofo e os fungos comessem parte de nosso passado. Um trabalho arqueológico, levado por dois artistas plásticos, do qual saltaram inúmeros fatos que habitam os desvãos do que nos chega hoje sobre Brasília. Nas imagens selecionadas, o monumento dá lugar ao humano, o concreto dá lugar ao orgânico e a epopéia dá lugar à crônica. Por que não nos disseram na escola dos candangos? Das vilas de imigrantes, do comércio local, de peões trabalhando ou em raros momentos de folga, dos prédio desnudos em vergalhões monumentais? O trabalho culminou com uma exposição durante a comemoração de 45 anos da capital federal. Um presente de incalculável valor simbólico.
Foi preciso mesmo que mais um alemão se apaixonasse pelo Brasil e doasse uma dose de sua cultura de metódico cuidado com a memória para que compreendessemos melhor nossa própria identidade. Wesely já havia estado no Brasil fotografando em outras tantas ocasiões. Seu trabalho não tem ligação direta com o resgate dos arquivos fotográficos. Quando descobri seu site, tive uma grata surpresa. Ele trabalha com imagens captadas em períodos dilatados de tempo. Mais uma vez salta a importância de ser metódico. Pois, para desenvolver câmeras adequadas à sua busca, Wesely certamente precisou acumular muito conhecimento e paciência. Imagine um pinhole tão bem pensada que o furo permita grande riqueza de detalhes em exposições que vão de 12 horas até anos. Como no arquivo resgatado de Brasília, o foco está no tempo, mas o tempo dilatado de suas fotos traz um outro tipo de documentarismo. Todos os ensaios do site são impressionantes. Alguns, especialmente, me chamaram muitíssimo a atenção. Um deles feito com tulipas. O mesmo ramalhete dentro do vaso foi captado em quatro imagens de longa duração, que mostram o decrepitar das flores em contraposição à rigidez do ambiente. Outro ensaio interessante está no registro das transformações ocorridas em praças da extinta Alemanha Oriental. São espaços que tiveram suas identidades completamente trasnformadas em questão de meses. E o artista aprisiona as mudanças ocorridas em mais de um ano em apenas uma imagem estática. Que paradoxo mais rico de implicações! O impacto dessas fotos consideravelmente ampliadas deve estrondoso. O efêmero constrasta com o estático. O que muda constantemente deixa o negativo menos exposto do que o que permanece por mais tempo enquanto a foto é feita. Um fotodocumentarismo muito bem sacado e executado, que foge do literal e, por isso mesmo, oferece uma mediação mais completa para entendermos o real.
O trabalho mais recente de Wesely foi feito sob encomenda do MoMA. O artista foi incumbido de registrar a construção da nova sede do museu em Manhattan, evento que durou cerca de três anos. As câmeras que Wesely armou em diversos pontos de vista traçam um panorama das transformações. Está tudo ali. Três anos transcorridos sobre a prata da mesma película. A história sensibilizando o negativo e o artista captando a história.
Uma das coisas mais marcantes que conheci nestes dias foi o trabalho do fotógrafo alemão Michael Wesely. Por um acaso. Fui atrás do site dele depois que fiquei sabendo de um projeto muito legal que ele e a brasileira Lina Kim tocaram dois anos para recuperar fotos de Brasília espalhadas por arquivos brasileiros e do exterior. Nada menos que 100 mil negativos foram vasculhados. Ali, a luz escreveu parte importante da história brasileira. E nós, pelo nosso secular descaso com a memória, deixando que o mofo e os fungos comessem parte de nosso passado. Um trabalho arqueológico, levado por dois artistas plásticos, do qual saltaram inúmeros fatos que habitam os desvãos do que nos chega hoje sobre Brasília. Nas imagens selecionadas, o monumento dá lugar ao humano, o concreto dá lugar ao orgânico e a epopéia dá lugar à crônica. Por que não nos disseram na escola dos candangos? Das vilas de imigrantes, do comércio local, de peões trabalhando ou em raros momentos de folga, dos prédio desnudos em vergalhões monumentais? O trabalho culminou com uma exposição durante a comemoração de 45 anos da capital federal. Um presente de incalculável valor simbólico.
Foi preciso mesmo que mais um alemão se apaixonasse pelo Brasil e doasse uma dose de sua cultura de metódico cuidado com a memória para que compreendessemos melhor nossa própria identidade. Wesely já havia estado no Brasil fotografando em outras tantas ocasiões. Seu trabalho não tem ligação direta com o resgate dos arquivos fotográficos. Quando descobri seu site, tive uma grata surpresa. Ele trabalha com imagens captadas em períodos dilatados de tempo. Mais uma vez salta a importância de ser metódico. Pois, para desenvolver câmeras adequadas à sua busca, Wesely certamente precisou acumular muito conhecimento e paciência. Imagine um pinhole tão bem pensada que o furo permita grande riqueza de detalhes em exposições que vão de 12 horas até anos. Como no arquivo resgatado de Brasília, o foco está no tempo, mas o tempo dilatado de suas fotos traz um outro tipo de documentarismo. Todos os ensaios do site são impressionantes. Alguns, especialmente, me chamaram muitíssimo a atenção. Um deles feito com tulipas. O mesmo ramalhete dentro do vaso foi captado em quatro imagens de longa duração, que mostram o decrepitar das flores em contraposição à rigidez do ambiente. Outro ensaio interessante está no registro das transformações ocorridas em praças da extinta Alemanha Oriental. São espaços que tiveram suas identidades completamente trasnformadas em questão de meses. E o artista aprisiona as mudanças ocorridas em mais de um ano em apenas uma imagem estática. Que paradoxo mais rico de implicações! O impacto dessas fotos consideravelmente ampliadas deve estrondoso. O efêmero constrasta com o estático. O que muda constantemente deixa o negativo menos exposto do que o que permanece por mais tempo enquanto a foto é feita. Um fotodocumentarismo muito bem sacado e executado, que foge do literal e, por isso mesmo, oferece uma mediação mais completa para entendermos o real.
O trabalho mais recente de Wesely foi feito sob encomenda do MoMA. O artista foi incumbido de registrar a construção da nova sede do museu em Manhattan, evento que durou cerca de três anos. As câmeras que Wesely armou em diversos pontos de vista traçam um panorama das transformações. Está tudo ali. Três anos transcorridos sobre a prata da mesma película. A história sensibilizando o negativo e o artista captando a história.